500 dias depois que você saiu
- Jessyka Karen
- 17 de ago. de 2021
- 4 min de leitura
Ontem fez 500 dias que você saiu de casa. Tipo o filme, mas ao contrário: 500 dias sem ele. Eu já contei que desde que você saiu, tudo aconteceu: a lava-louças pifou, a lava-roupas precisou de uma borracha nova, o aquecedor da cozinha queimou, o sofá rasgou (em vários lugares), a parede da cobertura está com infiltração e o banheiro de visitas está vazando no vizinho de baixo, o que é um saco porque preciso lavar a seco e banheiro pra mim é cândida e sabão no chão, você sabe. Sabe o que eu não contei? Que demorei 401 dias para desmontar seu computador. E 480 para dormir no seu lado da cama (e isso só aconteceu porque o Fumaça, meu gato, (eu falei do gato?) derrubou minha garrafa de água às onze da noite e fiquei sem opção.) Demorei 385 dias para tirar sua foto da geladeira e nem fui na verdade, foram uns amigos. Eu fiquei bem brava, mas tinha sentido para eles que eu não olhasse para sua cara todos os dias ao entrar na cozinha. Como se o xbox não bastasse. Ou o ar condicionado, que você amava. Ou a estante das plantas, que montamos juntos. Ou a TV do quarto, que você milimetricamente instalou. Ou meu nome, que tem o seu nome. Ou minha mão, sem a minha aliança. Ou toda vez que como macarrão. Ou tomo café. É até irônico achar que sua foto me incomodava. Inclusive, no dia 499 eu a coloquei novamente em destaque na casa. Junto com outras mil fotos de gente que eu amo. E logo em seguida, a campainha tocou. Era um presente para você. Eu pensei em dizer que você não morava aqui, mas depois de 239 dias sem termos uma conversa decente (e eu sei que a culpa é minha), não saberia dizer para onde o presente deveria ser enviado. Eu não sei mais onde você mora, nem onde trabalha, nem o carro que dirige. Então, só aceitei o presente. E agora, há 2 dias ele está na sala me olhando. Aproveitei e coloquei junto os seus presentes de Natal, aniversário e dia dos namorados. Eu sei, totalmente louca. Todos os meus amigos também acham, por isso não sabem desse último presente. Mas logo chega mais um 10 de outubro e eu vou querer dar outro presente, então vou precisar de uma caixa maior se você não aparecer para levar esses. Mas eu não quero que você apareça. Não quero te ver, porque talvez eu não surte nem me humilhe, mas com certeza vou chorar. E apesar de eu chorar há 614 dias pelo menos uma vez ao dia, eu não quero que você me veja chorando. Quero que você me encontre forte, resolvida, feliz e inteira. Quero que se arrependa de ter ido embora. Ou quero que você me encontre caída bêbada no chuveiro a dois segundos de me matar. Quero que você se culpe. Mas além disso tudo, eu quero que você seja feliz. Eu só não quero saber como, nem com quem. Eu não quero ver as fotos de Natal que sua família vai postar sem mim. Eu não quero saber dos seus filhos, dos seus projetos, dos seus prêmios, das suas empresas. Não quero. Não quero saber onde você mora, mesmo que isso signifique receber algumas encomendas aleatórias na nossa casa. No dia 500 eu me dei uma aliança. Eu quase comprei uma para nós, como ato profético, mas preferi cuidar de mim e me dar uma aliança que me faça lembrar, diariamente, que o Noivo cuida de mim. Que essa aliança jamais será desfeita e que em nenhum dos 2136 dias que estamos casados eu estive sozinha. Nem em nenhum dos 6471 dias que estamos juntos. Eu sempre quis uma aliança, você sabe. E você nunca quis, eu sei. Mas me dei uma, Ti, no quingentésimo dia que você saiu de casa. Não é de ouro, não tem diamantes, mas é linda e a primeira coisa que fiz ao chegar em casa foi consagrá-la e pedir a Deus que me lembre, toda vez que eu olhar para minhas mãos, que não estou sozinha. Mesmo enquanto eu espero a restauração da minha casa, do meu lar, e principalmente do meu coração, eu não estou sozinha. Quando deito na cama e espero que você chegue de surpresa, eu não estou sozinha. Quando acordo e espero sentir seu cheiro, não estou sozinha. Quando peço pizza às quintas, quando faço um espresso, quando faço pesto, eu não estou sozinha. Pra você, 500 dias de liberdade. Para mim, 500 dias de prisão. De uma cadeia que não quero me libertar. Não quero deixar de ter seu nome, de ser sua. Sua esposa, sua mulher, sua porção diária de felicidade, sua kriptonita. Eu quero ser sua, Não quero fazer planos com ninguém mais e muito menos sem você. Chamam de deserto esse período de travessia, sem água, sem refresco, sem horizonte, E eu entreguei a bússola para Jesus, porque eu estou andando em círculos há 500 dias. Quem sai que deveria voltar. Quem sai que deveria se arrepender e tentar reconquistar, mas eu queria ter a oportunidade de te reconquistar. Eu fiquei, Ti. Eu ainda estou casada. Eu ainda sou sua e só sua. E mesmo não te reconhecendo mais, mesmo não sabendo o que você está vivendo, eu te amo. Porque essa é minha escolha.

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